quinta-feira, 10 de setembro de 2015

História de Passarinho

Meu primeiro contato com minha nova vizinhança aconteceu bem cedo, lá pelas oito horas da manha. José como se fosse um galo despertador, soltou a garganta e começou a cantar todo seu repertorio de musicas evangélicas no ultimo volume que sua desafinada voz conseguiu, ao mesmo tempo em que organizava as ferramentas no quintal num ato tão despercebido e barulhento como se ele fosse o único habitante da quadra. Essa horrível cantoria, acompanhada da barulheira, acabaram por virar rotina. Todos os dias depois de uma hora aproximadamente começava com as maquinas fazendo ainda mais barulho. Esse cristão tinha o habito terrível o qual abomino. Comercializava passarinhos em gaiolas e reunia outros que também tinham o mesmo ato infame e comentavam sobre os cantos, as penas, as gaiolas e sobre Jesus Cristo e a certeza da salvação e o céu como seria bom. Como se não bastasse os pássaros nas gaiolas que já estavam presos, começou o meu repugnante vizinho, a aprisionar os pássaros silvestres que viviam pelas arvores do quintal comendo frutas. Isso me causou ainda mais repulsa e uma analise critica de como as teorias formadas e prontas, tiram a capacidade de percepção das pessoas sobre as verdades e mentiras, as ações realmente corretas e erradas, ou até mesmo a sensibilidade pra perceber as agressões contra a vida e a natureza e os seres vivos. Como tudo na vida por ventura do destino segue uma reação após uma ação e com imprescindível precisão o processo de cada um é único e intransferível. Meu vizinho Jose se encontrou com a morte e por acaso ela de leve tocou seus olhos num acidente de carro donde ele em coma entra num lugar onde vê uma porta branca com uma pomba desenhada e outra com um bode dando passagem pro inferno. Se encaminha até a porta branca e bate. Segundos depois um ranger celestial e uma luz intensa e forte seguida de cantos de pássaros e harpas e uma brisa leve e cheirosa. Já ia dando um passo a frente quando uma voz de trovão perguntou: __O que você quer? __Quero ir pra o céu! Respondeu Jose numa gagueira tremenda. A voz perguntou por qual motivo ele achava-se digno de ir pro céu, e ele respondeu que era evangélico e dava o dizimo e era presbítero da igreja e... no que a voz o interpelou e disse não haver mais essas marcas e nomes e qualquer hierarquia humana. Jose retrucou dizendo ser salvo e ter aceitado Jesus. A voz continuou e disse que talvez tenha havido algum engano na maneira como entendeu o processo de evolução terrestre. Meu vizinho de novo retrucou dizendo que ia à igreja todos os dias e era dizimista fiel e participava dos trabalhos e estudos do evangelho. Num tom sarcástico a voz o elogiou com um, muito bem rapaz, e seguiu perguntando o que ele gostava. Prontamente respondeu: Futebol, carro, churrasco, musica, corridas e pássaros. A voz retumbante ecoou de novo dentro da luz: __Você gosta de pássaro? Jose, satisfeito balançou a cabeça dizendo que sim. A voz num tom mais grave e irritado questionou o porquê dele prender os pássaros em gaiolas se gostava tanto deles. Um gesto com as mãos, mostrou uma duvida silenciosa na feição de Jose. Continuou a voz divina: __isso mesmo, porque aprisionar e tirar a liberdade dele não é uma prova de amor nem de carinho, você tirou desses pássaros o que eles tinham de mais importante. Um gesto adiante de Jose fez com que a porta se fechar. Completou a voz ainda grave e irritada: __não tem céu pra quem tirou o céu de tantos pássaros! Ao mesmo instante que ouvia essas palavras, sentia o bafo quente da outra porta aberta que começava a puxá-lo pra dentro dela em direção ao inferno. Quando num grito desesperado proferiu um pedido de perdão e caiu bruscamente noutro espaço muito familiar, mais difícil de identificar, pois a posição ocupada agora por ele era diferente do costume. Olhou 360º e percebeu a gaiola lhe tirando a liberdade e tudo a sua volta, sua casa, o quintal as arvores, seu filho que não o via acenar eufórico por socorro muito nítido e claro. Sentiu uma amargura enorme em seu coração de não poder ir alem dali. Envolveu com as mãos a nuca e se deitou fechando os olhos levemente. Nisso seu corpo estremece e num impulso elétrico e visceral abre os olhos e volta à vida, numa realidade sangrenta e dolorida no meio do asfalto, em cima de uma maca sendo atendido pelos bombeiros e médicos. Uma semana no hospital e já estava de volta a casa e sua família. E foi uma alegria total, principalmente paras os pássaros, que tiveram sua liberdade de volta, um por um. Pois Jose acreditava ter tido nova chance na vida, não cometeria o mesmo erro de outrora, pelo menos esse.

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